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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A PUREZA QUE VEM DE DENTRO - GERA VIDA E DENUNCIA A HIPOCRISIA


(Liturgia do Vigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum)


Na dinâmica da liturgia, somos servidos com a Palavra, pouco a pouco, de acordo com a nossa capacidade de acolhê-la, acompanhando os ritmos e os tempos da caminhada da nossa vida cristã.
Neste mês de setembro, de modo todo especial, somos convidados a lembrar da centralidade da Palavra de Deus, ao celebrarmos o mês da bíblia.
Na verdade, é uma recordação, a cada ano, de que é preciso aprofundar a Palavra à qual temos fácil acesso, através de diversos meios e recursos, enquanto muitos ainda não o tem, seja porque falta o conhecimento, seja porque faltam as condições ou os recursos humanos. Assim, o mês da Bíblia é um convite a aprofundar, praticar e divulgar com mais responsabilidade, seriedade e compromisso, a Palavra de Deus.
Na liturgia de hoje, depois de ter ter anunciado durante os últimos quatro domingos o Evangelho de São João, o sinal da multiplicação dos pães e o longo discurso de Jesus sobre o Pão da Vida, Marcos (Mc 7,1-8.14-15.21-23), nos apresenta Jesus em discussão com os fariseus, sobre as tradições da Lei.
Seu Evangelho, que é proposto para ser proclamado no ano litúrgido B, nos apresenta a vida de Jesus, revelando-O nas suas páginas. Em cada uma dessas páginas somos colocados diante do mistério central da Páscoa de Jesus, ou seja, a passagem da morte à vida, da escravidão à liberdade.
Diante disso, temos que nos perguntar se estamos, de fato, vivendo esse mistério em nossas vidas. Para tanto, Marcos promove o encontro com Jesus durante o Seu ministério na Galileia, no confronto com os fariseus, um dos grupos religiosos do judaísmo de Sua época, sobre a questão “religiosa” da pureza ritual.
Na verdade este tema diz muito pouco a nós, mas para um judeu, esse assunto fazia parte da dimensão central do seu relacionamento com Deus. Lembremos o livro do Levítico, no qual Deus dá ao povo leis para viver de uma maneira diferente de outros povos, sobretudo, porque se trata de um povo resgatado da “mão” do Egito e que pertence a um novo Senhor, isto é, pertence a Deus.
Já que Deus é “santo”, adjetivo que significa separado, distinto do resto, o povo que lhe pertence e que vive com Ele a Aliança, deve ser “santo” também. Isto se alcança e se manifesta mediante uma série de práticas litúrgicas e rituais.
Não é difícil compreender, com relação ao tema, ser uma tarefa difícil distinguir aquilo que é a vontade de Deus e a maneira humana de realizá-la, condicionada pelos tempos e lugares.
Igualmente, compreende-se que, com o passar do tempo, essas práticas, distanciando-se do seu início, correm o risco de ofuscar o sentido que tem. E isso é o que vimos no Evangelho deste vigésimo segundo domingo do Tempo Comum.
Os fariseus condenam e atacam a Jesus porque não ensina e não exige dos seus discípulos a observância das normas de pureza.
Na verdade, não é a primeira vez que agem assim. Já tinham atacado Jesus mais de uma vez, como por exemplo, quando O tinham visto comer com os pecadores (Mc 2,15-17), quando perceberam que os discípulos de Jesus não jejuavam (Mc 2,18-22), e quando tinham visto os mesmos discípulos colherem e comerem as espigas no sábado, como também quando viram Jesus curar um homem, no mesmo dia (Mc 2,23-3,6).
Agora, mais uma vez, notam que os amigos de Jesus não observam plenamente as tradições. Isto é, não se purificam como deveriam, de acordo com o preceito, antes da refeição. O costume judaico de lavar as mãos antes de comer não tem o seu fundamentado tanto nos motivos de higiene, mas sim, nos preceitos religiosos.
A observância da maneira exata de lavar o corpo, assim com a maneira correta de lavar a louça usada para as refeições, dava ao judeu a "garantia" e a "certeza" de “estar aprovado” diante de Deus. Sem mencionar que as regras dessa purificação eram, de fato, exageradas.
Como sempre, Jesus com um olhar que sabe ir para além da superfície, para “ler” em profundidade, não pode aceitar essa atitude estéril e hipócrita dos seus adversários.
Ele percebe que o que deveria ser uma questão do coração, isto é, do eu interior, torna-se apenas uma questão de limpeza externa das “mãos” ou dos “lábios”.
A pureza, diz Jesus, não é algo externo a nós! Não se deve confundí-la com o aspecto exterior. Portanto, o que Jesus quer que os seus discípulos compreendam, e isso é para nós um grande desafio, num mundo em que basta apenas “parecer ser”, é que é possível até sermos perfeitamente limpos, apresentáveis e até elegantes aparentemente sem que, contudo, sejamos, realmente, puros, interiormente. Isso sim seria um tipo de sujeira das mais repugnantes, provocada pela hipocrisia e pelas formalidades.
Jesus, como de praxe, aproveita para ir até a raiz da questão e denuncia a hipocrisia escondida debaixo da observância religiosa, citando uma passagem famosa de Isaías, que contrapõe o culto feito com os lábios ao desejo que nasce no coração, e se concretiza na atitudes. Denuncia o grave erro dos fariseus de dar mais importância aos preceitos elaborados pela tradição, perdendo de vista o sentido profundo da lei revelada a Moisés e transmitida nos primeiros livros da Bíblia. Ele nos convida, portanto, a interrogar o nosso coração e as nossas intenções, para não corrermos o risco de nos escondermos por detrás de uma bela fachada feita de circunstâncias aparentes, e nos avisa que não basta parecer ser um bom homem, mulher, bom pai, mãe, religioso, religiosa, caridoso, amigo, honesto, verdadeiro... e assim por diante...mas que é preciso ser, de fato e autenticamente.
 A primeira leitura (Dt 4,1-2.6-9) contém uma passagem do testamento de Moisés ao povo, que é chamado a praticar a lei recebida de Deus sem alterá-la, pois é correta, é fonte de sabedoria e permite ao homem estar próximo, bem como ser íntimo de Deus. É por isso que o que Jesus denuncia, não é a Lei, mas a hipocrisia que está no fato de viverem usando máscaras, mostrando a Deus uma obediência apenas exterior, ao cumprir à risca os preceitos, quando as suas vidas reais seguem outros valores, muito diferentes da Lei divina.
O gesto religioso torna-se o oposto do que quer transmitir e do que deveria ser. Ao invés de aproximar de Deus, é apenas uma máscara que se usa e que nos faz viver, pelo contrário, cada vez mais longe d’Ele.
Continuando a catequese, Jesus ensina que a verdadeira “pureza”, isto é, a santidade, aquilo que torna o homem mais imagem e semelhança de Deus, não se dá pelo que “entra nele”, como os alimentos permitidos ou não, ou pelo seu exterior, mas por aquilo que “sai’ do seu interior e se manifesta nas suas atitudes, diante do mundo, da vida e das pessoas com as quais se relaciona.
Quando do coração humano saem os desejos marcados pelo egoísmo, tal e qual os exemplos que Jesus oferece, a saber, “más intenções, imoralidades, roubos, homicídios, adultérios, ambições desmedidas, perversidades, fraude, devassidão, inveja, calúnia, orgulho e insensatez”...a única coisa que podem produzir é o pecado.
Mas um caso positivo, contrário, portanto, ao comportamento farisaico do Evangelho e denunciado por Jesus, é desenvolvido pela carta de São Tiago que escutamos na segunda leitura (Tg 1, 17-27).
Quando o coração humano acolhe o dom gratuito da Palavra de Deus que, num certo sentido, corresponde à Lei, no sentido de ensinamento para vida, e a faz crescer e produzir frutos, então a atitude “religiosa” do ser humano, isto é, a sua resposta a Deus, é aquela que Deus deseja e espera. Ela se transforma em socorro aos órfãos e às viúvas, tipo das pessoas mais vulneráveis e frágeis da época. Trata-se do cuidado, justiça, atenção, solidariedade e sensibilidade para com as pessoas que estão em necessidade.
A fé cristã é viva e leva à verdadeira “pureza” (santidade) na medida em que passamos da exterioridade dos gestos religiosos, que em si são bons, mas ambíguos, às atitudes que são santas, na medida em que correspondem aos gestos e atitudes de Jesus.
Neste mês dedicado de modo especial à Palavra, estamos convocados a purificar, no sentido mais profundo e ensinado por Jesus hoje, as nossas idéias e as nossas atitudes, no que concerne ao relacionamento com Deus, e na práticas decorrentes desse relacionamento, em atitudes para com o próximo.
Trata-se de prestar mais atenção nas palavras e nos exemplos de Jesus. Quer dizer que devemos nos preocupar menos com a exterioridade e as aparências, e mais com o nosso interior.
Significa dar menos ouvidos aos preceitos meramente humanos e mais à Lei de Deus. Só assim, seremos santos, de fato, não tanto por aquilo que os nossos lábios pronunciam, mas por aquilo que as nossas atitudes dizem. E aí então, nossas atitudes serão os nossos lábios.  O que importa, de fato, é o que elas “falarão”. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br – Web site: www.inacianos.org.br).