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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

"ENTRE VÓS NÃO DEVE SER ASSIM..."

(Liturgia do Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum)

Há quem sustente que, mesmo depois de dois mil anos, o cristianismo ainda é compreendido de maneira superficial. Poucos assimilaram completamente a sua substância.
            O texto do Evangelho deste Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum parece valorizar esta hipótese. Tiago e João fazem um pedido que Jesus, talvez, não esperasse que fizessem. Mas a bem da verdade, qualquer um de nós, ainda hoje, parece pedir e buscar como projeto de vida. “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!”
            Na verdade, nas entrelinhas do pedido está o desejo de que Jesus faça que possam ser bem vistos e bem considerados com relação a todos os outros, ainda que os outros, mesmo como apóstolos, sejam iguais a eles.
            Tiago e João conhecem a força do seu Mestre. Já O viram realizar diversos de milagres. Mas, devem ter ficado  espantados quando ouviram a resposta: "Vós não sabeis o que pedis".
            Jesus fala de sacrifício, de batismo de sangue, mas parece que quase ninguém o escuta; tanto que, enquanto Ele fala, os outros dez ficam indignados com Tiago e João.
            Jesus deve ter experimentado uma tristeza profunda ao ver o quanto os apóstolos estavam fora do projeto e do caminho. Justo eles que deveriam ser os Seus colaboradores mais próximos!
            Então, Jesus os catequiza de modo explícito. Trata-se de uma catequese direta, isto é, não através de parábolas, como costuma fazer, e sem rodeios, lembrando-os que, aqueles que se dizem íntimos dele, seus seguidores, devem mudar a mentalidade e o modo de raciocinar, evitando uma visão mundana, que acabam de demonstrar.
            De fato, quantos neste mundo, considerados líderes, chefes poderosos, oprimem os seus semelhantes. "Entre vós não deve ser assim... quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos".
            Nesse ponto, certamente, um certo desânimo deve ter se apossado de todos os ouvintes. Contudo, Jesus não dá muita importância a isso e, tomando-se  a Si mesmo como ponto de referência, que os apóstolos haviam perdido, diz que "não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”, porque o pedido dos dois já havia antecipado o que diz respeito ao Pai conceder.    É possível imaginar o silêncio sepulcral que se seguiu e a vergonha dos apóstolos.  Ainda não haviam compreendido nada sobre o Rei e o Reino. O constrangimento deles evidenciou ainda mais a grandeza de Jesus e da Sua misericórdia.
            Na segunda leitura (Hb 4,14-16) é São Paulo quem nos lembra que só o Sumo Sacerdote é capaz de se compadecer das nossas fraquezas. Isto é, só Jesus, o Sumo e Eterno Sacerdote. Foi para isso que Ele veio a este mundo, por isso se fez homem, " pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado". Essa certeza é que nos dá, sobretudo, a segurança de nos aproximarmos d'Ele, convictos em "Obter misericórdia e de encontrar a graça".
            Na primeira leitura, o profeta Isaías (53,10-11), entrevendo tudo isso, havia profetizado que o Cristo seria prostrado pela dor, "Oferecendo a Sua vida em expiação", livre e voluntariamente, como só o amor sabe fazer. Por isso, haverá uma descendência duradoura do Pai Abraão.
            O que Deus diz sobre o Servo Sofredor é "Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas". Não acusando-os mais ainda dos seus pecados, mas ao contrário, "Ele tomará sobre Si as suas iniqüidades".
            O Seu tormento não tem um fim em si mesmo, pois através dele, virá a luz e a salvação. É isso que podemos esperar de modo pleno e inexaurível. Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.

sábado, 10 de outubro de 2015

"SE QUERES SER PERFEITO..."

(Liturgia do Vigésimo Oitavo Domingo do Tempo Comum)

          A Palavra de Deus no Evangelho deste Vigésimo Oitavo Domingo do Tempo Comum, nos ajuda a perguntar: o que vem à nossa mente quando ligamos a TV ou folheamos as páginas dos jornais, ou acessamos a internet e as revistas?
            Somos inundados por uma infinidade de publicidade. A propaganda do mercado quer nos fazer comprar e consumir seus produtos, com o argumento de que são melhores do que outros apresentados, igualmente pela mídia e pela propaganda.
            Todos oferecem ao público produtos "perfeitos", desde o leite fino e saudável relacionado à leveza e ao bem estar, até o papel higiênico mais refinado. Tudo apresentado e oferecido como produtos perfeitos. A mensagem que transmitem é sempre subliminar. A ideia subjacente é esta: "se você quer ser o primeiro, ser mais do que os outros, enfim, se você quer "ser perfeito" e ter uma vida perfeita, compre! Portanto, a perfeição é sinônimo  de consumismo e de possuir muitas coisas.
            O Evangelho deste Vigésimo Oitavo Domingo do Tempo Comum (Mc 10,17-30) é, de fato, muito atual. "Tá na moda", pois também menciona essa "publicidade", fala da proposta da perfeição.
            Ainda que o Evangelho de Marcos não mencione, não se pode esquecer do "se queres ser perfeito", do texto paralelo no Evangelho de Mateus (19,21).  Por outro lado, nas narrativas evangélicas, esta proposta aparece de diversas formas. Lembremos como termina o sermão da montanha: "Sede perfeitos"; ou ainda, "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância", outro expressão para dizer  "vida perfeita". Ou ainda a proposta de São Paulo: "Aspirai, intensamente os carismas mais elevados" (...) "E então, vos mostrarei o caminho mais sublime"...isto é, mais perfeito.
            É verdade, a perfeição é a aspiração de todos em tudo. A pessoa humana é feita para a perfeição, para a vida perfeita. "Sede perfeitos como vosso pai celeste é perfeito" (Mt 5,48). Por outro lado, a perícope do Evangelho deste domingo parte de uma pergunta feita por um certo alguém que corre ao encontro de Jesus e, colocando-se de joelhos pergunta: "Bom Mestre, o que devo fazer para ganhar a vida eterna"? Ou seja, como fazer para ter uma vida perfeita?
            É bom notar, nestas primeiras linhas do Evangelho deste domingo, alguns detalhes que podem ajudar a nossa reflexão. Primeiro, trata-se de "alguém" , poderia ser qualquer um. Isto é, o protótipo perfeito de qualquer pessoa humana. Esse alguém "corre". Outra imagem do homem atual, que vive numa verdadeira correria. Vai até Jesus para perguntar como conseguir, talvez na linguagem de hoje, "adquirir ou "comprar" a vida eterna, a vida duradoura. Enfim, o desejo de perfeição é igual à vida sem fim; uma vida que não sucumbe à morte.
            Jesus não evita a pergunta porque sabe que, no fundo, trata-se de uma pergunta importante do homem de todos os tempos, talvez, a única pergunta fundamental.
            Primeiro, Jesus lembra ao tal "alguém" a necessidade de observar os mandamentos. Na verdade, cita apenas alguns dos mandamentos; aqueles que, normalmente, os cristãos de hoje tomam como critério para a sua confissão sacramental. Quantas vezes o padre não tem que ouvir no confessionário: "padre não matei e não roubei".  
            É importante observar que o que dizem, na verdade, em outras palavras, é que vivem uma vida perfeita, inclusive, moralmente, baseada no "não faço nada de mal". O nosso "alguém" do Evangelho afirma também que "todas essas coisas tenho observado desde a minha juventude".
            É então que, apenas nesse momento, e só então, Jesus responde à pergunta inicial, sobre a vida eterna. "Só uma coisa te falta". Ou seja, "para seres perfeito".
            De acordo com a publicidade moderna deveremos adquirir "produtos", obviamente, perfeitos. Em vez disso, Jesus diz exatamente o contrário: para ter a vida eterna, uma vez observados todos os mandamentos, portanto, inclusive os três primeiros, que dizem respeito a Deus, é necessário libertar-se  de tudo aquilo que nos prende à esta terra, principalmente as coisas e situações.
            Por isso, Jesus diz àquela pessoa: "vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu;  depois, vem e segue-me"! O evangelista  acrescenta: "mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico".
            Eis aí a imagem do homem de todos os tempos. É alguém que acredita no ter muitas coisas, no poder de comprar um estilo de vida perfeita. Mas a história da humanidade tem demonstrado amplamente que Jesus tinha razão. O rico não tem e nunca terá uma vida perfeita, pelo simples fato de que terá sempre o rosto abatido e sombrio, por causa da preocupação com os seus bens, roubando-lhe o pouco ou nenhum tempo que lhe sobra para o próprio coração.
            Os evangelhos apresentam diversos encontros de Jesus. Muitas pessoas, inclusive os piores pecadores, como Zaqueu, Maria, irmã de Marta, Maria Madalena, Mateus, o cobrador de impostos etc. De todos eles temos uma lição, uma história que deixaram. Uma história de transformação, superação. Podem ser apontados como exemplo para nós. Não podemos dizer o mesmo desse "alguém" do Evangelho de hoje. Aliás, não sabemos o seu nome. Não fez história. Só sabemos do seu abatimento, da sua tristeza e da sua incapacidade de seguir Jesus e fazer história. Ele desaparece na multidão. Pelo visto, as coisas que possuía não lhe garantiram a vida perfeita que tanto queria ter, pois ninguém sabe nada dele.
            Para Jesus vida eterna é algo que se conquista, algo que se herda, não comprando, mas fazendo exatamente o contrário, isto é, dando e distribuindo. Trata-se de uma anti-propaganda, anti-publicidade. Quanta liberdade, quanta serenidade e paz tudo isso traz ao coração!


            À luz da Palavra de Deus, que "é vida, eficaz e mais afiada do que a espada de dois gumes" (segunda leitura Hb 4,12-13), capaz de nos trazer vida eterna, a começar por nossa vida nesta terra, peçamos ao Senhor a sabedoria, proposta pela primeira leitura (Sb 7,7-11), para saber escolher o caminho que Jesus nos propõe para alcançar, assim, todos os bens. Os bens autênticos, bens de vida eterna. Afinal, há um único bem a ser buscado; o amor de Deus. "Se queres ser perfeito", deixemo-nos amar pelo Senhor! Quem descobriu essa verdade, sabe que não precisa comprar nada. Sabe, aliás, que só é preciso aceitar deixar-se envolver pela ternura e pelo amor de um Deus que nos ama tanto, ao ponto de nos dar a Sua própria vida. A vida eterna. A vida perfeita. Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA. Missionário Inaciano.

sábado, 3 de outubro de 2015

"O QUE DEUS (O AMOR) UNIU, O HOMEM NÃO SEPARE"

(Liturgia do Vigésimo Sétimo Domingo do Tempo Comum)

           "Não é bom que o homem esteja só". O "clamor" da solidão que brota do nosso coração sedento de companhia é acolhido e sentido também por Deus. Mais ainda, é como se estivesse escrito no mais íntimo de cada ser humano. "Não é bom". De fato, não parece ser do gosto de Deus a solidão do coração! 
            É por isso que Deus povoa o espaço ao redor do homem de criaturas, animais selvagens e pássaros do céu e feras selvagens. Depois, Deus os apresenta ao homem e pede para que nomeie a cada um dos animais, pede para domesticá-los. "Mas, o homem não encontrou uma companhia semelhante, que correspondesse a ele", lemos na primeira leitura (Gn 2,18-24). Não é de se admirar, afinal, esses eram seres "inferiores" com os quais não é possível um diálogo, tampouco a partilha de intenções e projetos. É claro que toda criatura é boa e bela em si, e louva a Deus com a sua vida, mas isso não significa que consiga saciar a sede de companhia que habita o coração humano.
            "Então, o Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre Adão". É preciso compreender que o caminho para encontrar "um semelhante que lhe correspondesse" não existe sem o sofrimento, sem "um preço" ao próprio homem, isto é, ao ponto de  "ferir" a sua própria carne.
            O homem adormece, depois desperta com alguma coisa a menos em si. Algo lhe foi tirado. Mas é daquilo que foi retirado, do humano que foi privado é que nasce, finalmente, a criatura que pode corresponder a ele, estar à sua altura. Isso o torna feliz ao ponto de fazer irromper de seus lábios um canto de louvor, mesmo que breve, mas intensa antecipação dos Cânticos dos Cânticos: "Desta vez é osso dos meus ossos, carne da minha carne...desta vez é como eu, "é outro eu"!
            O primeiro ensinamento que podemos tirar das leituras de hoje é que, não há relacionamento verdadeiro de comunhão sem que se tenha que doar algo de si, ou sem que algo de meu seja colocado de lado para abrir espaço de disponibilidade e de vida ao outro.
            A carta aos Hebreus (2,9-11) na segunda leitura nos lembra bem que o sofrimento pode ser
caminho que conduz à perfeição. Trata-se de um caminho tão seguro que o próprio Jesus o percorreu por nós e conosco, tornando-se assim, nosso irmão. A verdade é que uma união entre as pessoas que não teme o sofrimento, no próprio sofrimento se consolida ainda mais e se torna comunhão perfeita entre elas.
            A pergunta que os fariseus fazem a Jesus no Evangelho deste Vigésimo Sétimo Domingo do Tempo Comum (Mc 10,2-16) é uma pergunta maldosa e tendenciosa. O evangelista nos informa que os fariseus vieram "para pô-lo à prova".
            Jesus, como sempre, está firme na Sua verdade, a verdade que é Ele mesmo, e que Ele não pode renegar. A lei diz que é lícito a um homem repudiar a própria mulher, mas para Jesus, este é o momento de dar pleno cumprimento à lei de Moisés, porque para isso é que Ele veio: "não para abolir, mas para levar a lei à plenitude" (Mt 15,17).
            "A plenitude da lei é o amor' (Rm 13,10). "Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe". Isto é, que ninguém separe o que o Amor uniu. O amor não é um sentimento vago e abstrato, mas uma "lei de vida" que, como toda lei, tem conseqüências concretas que a tornam verdadeira e, verdadeira, porque pode ser verificável.
            Entre essas leis, certamente a mais fundamental é aquela que Jesus nos ensinou com a Sua própria vida: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos" (Jo 15,13).
            Dizíamos antes que o sofrimento é que torna o amor perfeito. Se amar é dar a vida, vida que não se doa sem perdê-la, e perder a vida provoca dor. A verdadeira união se torna sólida e estável quando é provada no sofrimento, pacientemente acolhido e carregado, quando permitimos que a cada dia algo de nós mesmos nos seja retirado (como a costela) para que o outro tenha a vida. Aí está a garantia de que o relacionamento seja duradouro...eterno.
            Contudo, se o sofrimento é sempre provocado por uma das partes e sofrida pela outra, tudo se torna difícil, talvez não impossível, mas  terrivelmente difícil, provavelmente sem futuro.
            Confrontando a Palavra de Deus neste domingo com o nosso tempo e aos nossos dias, dias, aliás, de diversas e graves crises, sobretudo no matrimônio, percebemos que, em muitos casos, o fracasso dos relacionamentos nasce da incapacidade reconhecer o limite do outro, de acolher as surpresas que o outro reserva, inclusive nos detalhes do que compartilha na relação.
            Há ainda outros motivos para o fracasso dos relacionamentos, como por exemplo, de um lado, a incapacidade em um aceitar que o outro a partir "da minha costela", e do outro lado, de não aceitar ter que "depender" ter a vida, a partir da "costela" que o outro me dá.
            Metáforas à parte, a verdade é que essa incapacidade se resume em não conseguir construir "espaço" dentro da minha vida para a vida do outro, para que, verdadeiramente, das duas "carnes" nasça uma única carne. Uma "carne" nova, inédita, original e surpreendente na sua beleza.
            É verdade, bem sabemos, que às vezes isto é impossível e, então, a cura maternal da Igreja intervém e desfaz, ou declara não existente, um vínculo que, por razões próprias, não poderia sustentar-se para existir. Muitas vezes, desfazer o vínculo é muito difícil, mas ainda aí a Igreja deve intervir com o remédio da oração, da graça dos sacramentos, do conselho, do acolhimento e da atenção da comunidade.
            Não é por acaso que o Evangelho termina chamando a nossa atenção para as crianças que, parecem, mas apenas parecem, estar no lugar e na hora errados. Elas representam o fruto da carne nascido do amor. São geradas pelo amor da união em "uma só carne".
            As crianças, com a sua pureza e inocência é que podem nos ensinar a abrandar a "dureza" dos nossos corações. Quanto tudo nos relacionamentos parece desmoronar, aí estão as crianças, sinal incontestável do amor.

            Jesus as apresenta como a porta segura de entrada no Reino, da paz do Paraíso já nesta terra. Talvez, falte-nos parar um pouco para escutar e observar as crianças, contemplar as suas brincadeiras, acolhendo o seu choro e refletindo sobre as perguntas que nos fazem. Essa atitude poderia ser para nós uma ótima escola de simplicidade para enfrentar as lutas e dificuldades da vida, as lutas do um casal para viver o matrimônio, e não fugir nas primeiras quedas, sabendo que, quando o ser humano insiste em dividir o que Deus uniu, inclusive os frutos da união de duas carnes, que se tornam, então, uma única carne, inevitavelmente, o resultado será a sua própria "carne" destruída. Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.