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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

TENTAÇÕES: CONSUMO-PODER-PRESTÍGIO OU FIDELIDADE À PALAVRA DO PAI?

Muitas vezes temos uma idéia sombria e triste da Quaresma. Na verdade, deveríamos nos ater à finalidade desses quarenta dias e nos preparar para a alegria da Páscoa, a festa da vida, através da qual Jesus, com Sua Paixão e Ressurreição, anuncia a Boa Notícia da vitória sobre a morte.
Vista dessa maneira, a Quaresma como preparação para essa celebração não poderia jamais ser motivo de tristeza!  É preciso lembrar que viver, de fato, significa, antes de tudo, lembrar-se do essencial que nos dá a vida.
A Quaresma nos oferece justamente essa oportunidade para que não nos acomodemos no desânimo. Mesmo que nos leve a descobrir nossas fraquezas e a difícil caminhada rumo à conversão. Pelo contrário, ela nos motiva a colocar-nos em movimento, em “travessia”, sempre.
Trata-se de compreender que esse movimento tem o objetivo de nos fazer sair de tudo aquilo que nos prende e imobiliza e de tudo o que nos torna escravos.
Na primeira leitura (Dt 26,4-10), a experiência de fé do povo de Israel no Antigo testamento é marcada por duas experiências extraordinárias.
A primeira experiência traz à sua memória o fato de que “O Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa e braço estendido, no meio de grande pavor, com sinais e prodígios”.
A segunda experiência lembra como o Senhor fez isso, levando-os a reconhecer: “Conduziu-nos a este lugar e nos deu esta terra, onde corre leite e mel”.
 Trazer à memória e lembrar-nos dessa vida hoje então, neste tempo significa, primeiramente, fazer um movimento para fora, isto é, um sair de tudo aquilo que nos mantém escravos. Significa retornar ao essencial para redescobrir a beleza e a verdade da nossa própria vida.
Este tempo, portanto, é o momento propício para que nos perguntemos o que, de fato, é essencial, o que dever ter mais importância e relevância, como também o que é secundário em nossa vida. Isso nos levará a redescobrir o que e/ou quem buscar e adorar e a quem, a que não prestar culto nesta vida!
 Os quarenta anos no deserto, a saída da escravidão das mãos do Faraó, certamente permaneceram no coração dos judeus. O deserto era um caminho, uma jornada capaz de levá-los à exaustão, mas igualmente intenso quanto à liberdade para a qual os conduzia.
Os judeus sabiam disso, mas nós também sabemos que com o passar dos anos podemos passar de caminheiros, aventureiros e estrangeiros, a pessoas sedentárias, acomodadas.
Corremos o risco de ceder aos condicionamentos e circunstâncias, de ser seduzidos pelas coisas, pelo sucesso e pelo poder, ao ponto de nos tornarmos escravos de novos “faraós”. 
Com isso, fica claro que o primeiro passo no caminho do deserto quaresmal proposto pelo Evangelho deste primeiro domingo da quaresma é, sem dúvida, assumir a caminhada conscientes de que também somos expostos às tentações.
Lucas (4,1-13) narra as tentações de Jesus que, no início da sua vida pública, isto é, da Sua missão, é colocado à prova no deserto, tendo sido para lá conduzido pelo Espírito.
A tentação, em si, não é algo que tem, necessariamente, a ver com o pecado. Toda a nossa vida é marcada por provas e tentações. São situações em que temos que agir nas tensões e que exigem de nós uma força e energia que, na maioria das vezes, parecem exceder as nossas forças.
Contudo, são situações necessárias ao nosso crescimento, nas quais, através da liberdade, podemos pôr na balança o valor das escolhas que fazemos e das relações que vivemos. Aliás, é no esforço e na luta mesmo que é possível experimentar o valor de um amor, de uma amizade, da palavra dada.
Portanto, uma tentação pode se tornar oportunidade para trazer verdade à nossa vida, ensinando-nos a compreender o que, de fato, é importante e tem valor. Mas pode também ser apenas o momento e a situação na qual a nossa liberdade será enganada. Se assim for, não passará de ocasião para fazer escolhas erradas. 
Mas, qual é a tentação de Jesus no deserto e que acompanha toda a sua missão? Não é demais fazer uma ligação entre o texto das tentações e o Batismo que Jesus, no Rio Jordão, que celebramos há pouco tempo.
No Batismo Jesus é proclamado Filho de Deus: “Este é o meu filho amado, escutai-O”! Jesus recebe do Pai a grandeza e o fim da Sua missão: é Filho de Deus!
Porém, o Pai não lhe diz como deverá realizá-la, porque este dom precisa ser realizado na Sua liberdade. Deve passar pela prova da liberdade. Portanto, a prova pela qual Jesus passa é ter que decidir como realizar a Sua missão de Filho de Deus!
Muitas vezes pensamos que Jesus, pelo fato de ser Deus, não teve que esforçar-se para ser fiel ao projeto do Pai que O levou a morrer pregado numa cruz. Mas, não é verdade!  Jesus é verdadeiro Deus é verdadeiro homem. Por isso dizemos na liturgia eucarística “Estando para ser entregue e abraçando livremente a paixão...”.
Jesus, então, vai ao deserto para “aprender” a ser Filho; deve aprender, como homem, a confiar e a dizer sim ao projeto do Pai!
Nós também recebemos um grande dom de Deus que é a vida, a nossa vocação. No batismo nos tornamos filhos de Deus, mas tudo isso precisa se realizar através da nossa liberdade, do nosso sim à vontade do Pai, da confiança absoluta no Pai!
Podemos dizer que a prova, a tentação maior a que a nossa vida de fé é exposta, isto é, a tensão que nos acompanhará pelo resto de nossas vidas, assim como aconteceu com Jesus, será crer, confiar e decidir-se continuamente por Ele, porque acreditamos que é justamente isso que constitui a nossa humanidade e a nossa vocação!
Meditando o Evangelho das tentações podemos captar mais profundamente alguns detalhes.  Primeiramente, a maneira como o diabo se apresenta. O texto deixa claro que ele não se apresenta como um monstro feio com chifres e com um tridente na mão. Não! O diabo nunca se apresenta como adversário, mas, como um colaborador.
Foi assim que se apresentou a Jesus. Isto é, chega como um conselheiro, um fiel colaborador, alguém confiável e que quer ajudar.
Como é que começa mesmo a primeira tentação? “Se és o Filho de Deus...”. O diabo não duvida da filiação divina de Jesus. Pelo contrário. É como se dissesse a Jesus “já que tu és o Filho de Deus, demonstra as tuas habilidades, mostra do que és capaz, escolhe o teu próprio projeto...”. É como se dissesse a cada um de nós, “você deseja realizar-se como homem... como mulher? Eu te dou uma mão... você está programando abraçar a vida matrimonial, a vida consagrada, sacerdotal? eu posso te dar uma mão, posso ajudar a fazer um projeto melhor...”. Os objetivos, aparentemente, são sempre nobres, mas é um jogo que se joga com os “seus meios”, nada nobres.
É na elaboração das imagens, dos ideais e dos projetos das nossas vidas que o diabo gosta de interferir com propostas coloridas que nos desviam do projeto, do desenho e do estilo de Deus.
Aliás, um dos maiores perigos de hoje com relação à nossa vida e à nossa vocação, é o perigo de pintá-los com tons apenas humanos, mundanos, com base na exclusiva satisfação das nossas necessidades de consumo, de posse e de reconhecimento. As três tentações às quais Jesus foi exposto no texto de hoje.  
A grande artimanha do diabo é, então, exatamente fazer-nos acreditar que toda a nossa vida se resume a um pouco de pão (consumo), ao poder (posse) e ao prestígio (reconhecimento), fazendo-nos esquecer da nossa fome do Alto, do Céu, da necessidade que o ser humano tem do infinito de Deus, e de que o que nos realiza é a verdade e a beleza!
Jesus no deserto vence as tentações por cada um de nós também, indicando-nos o caminho para que também as nossas provações e tentações se transformem em ocasiões e oportunidades, mesmo que duras e dolorosas, para fazer com que a vida e a vocação de cada um de nós seja de acordo com a Sua Palavra e a Sua vontade.

Que neste tempo o Senhor nos conceda a graça de “sair” das nossas tentações e provações com a força libertadora da Sua Palavra. Que esta Quaresma seja uma excelente e oportuna ocasião para uma nova, rica e feliz caminhada. Afinal, não só de pão, de poder e de fama vive o homem! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano –www.inacianos.org.br). 

sábado, 6 de fevereiro de 2016

PESCAR É PRECISO

(Liturgia do Quinto Domingo do Tempo Comum)
Como a um compromisso ao qual não se pode faltar, hoje nos encontramos nas margens de um lago. Lembro que já estivemos nas margens do Rio Jordão, para sermos imersos com Jesus no batismo, para experimentar o que significa ser envolvidos pela água da Sua Graça.
Mas neste domingo, a “água”- graça se expande, dando aos olhos e ao coração um dos mais belos sentimentos que é contemplar um lago.
O lago, de fato, por maior que seja se assemelha a nós. Quero dizer, é limitado como nós. Não é como o mar, um oceano cujos limites são desconhecidos, provocando sempre em nós certo temor diante do infinito. É um lago, sinalizando o nosso limite.
Contudo, aquele lago de Genesaré torna-se um ponto de partida para todos. Até mesmo Jesus, deixando a montanha, lugar de encontro com Deus, desce ao nível do lago, isto é, ao nível da nossa humanidade limitada.
Desce hoje, neste Quinto Domingo do Tempo Comum, rodeado por uma grande multidão para encontrar-se conosco.
Aquele lago era tudo para os pescadores. Significava o tempo, que era na maioria das vezes nele vivido, dele vinha o seu cansaço, mas também a sua alegria, suas esperanças, e também, não raro, redes vazias, oração, silêncio... diante do que ‘negava” aos pescadores.
A barca de Simão, juntamente com a de Zebedeu, já é em si, a imagem de nossas vidas, que se desequilibram entre as águas, nem sempre tranqüilas, deste mundo. 
É nessa nossa “normalidade” cotidiana que Jesus chega. É preciso pressupor que os primeiros discípulos já eram conhecidos por Jesus e que, na verdade, o chamado que fez a cada um deles não foi de improviso. Dois deles, André e João, já eram discípulos do Batista, como nos refere o quarto Evangelho. Depois, como também nos conta São Lucas no capítulo 4, eles O tinham escutado na sinagoga, no sábado, O tinham visto operar milagres. Simão O tinha acolhido na sua própria casa, dando-Lhe hospitalidade como se fosse da própria família.
Na normalidade daquele lugar, onde tudo era muito comum, Jesus já havia alterado os hábitos dos primeiros discípulos. Mas ninguém poderia, ainda que por um momento, distraí-los ou tirá-los da sua vida real, isto é, da pesca que era o seu meio de vida. Ali, se não houvesse o que pescar, não seria possível sobreviver.
Na barca da nossa vida, Jesus sai para anunciar a Palavra. A barca de Simão, e também a nossa vida torna-se, portanto, um “púlpito” todo particular, no qual a Palavra de Deus ressoa forte porque está encarnada em Jesus de Nazaré, que está ali em pessoa.
A Palavra “sacode” o nosso cotidiano ainda hoje, fazendo com que “barcas” e “redes vazias”, fiquem plenas da Sua Graça.
Nós também temos experiência de noites infrutíferas, noites “em que nada pescamos”. Pode também acontecer conosco de termos que "recolher os restos" dos nossos dias cheios de compromissos, porém, vazios no seu mais profundo interior. Pode acontecer também conosco ter que “lavar as nossas redes”, sinal dos nossos esforços e das nossas lutas, muitas vezes, em vão, pensando: “hoje o lago não está pra peixe”, e concluir então que é inútil voltar a pescar! A vida do ser humano sempre foi e é assim, como o lago. Se a água e o tempo são generosos, é possível trabalhar bem, mas se o lago se mostra “avarento”, se há uma crise, surgem, então, os dias difíceis.
Jesus parece não compreender esse cansaço dos discípulos, assim como também os nossos desânimos diante das frustrações nas lutas e “pescarias” da nossa vida. Ele, carpinteiro de profissão, nos pede para ir adiante, para lançar as redes para águas mais profundas!
Neste domingo, novamente, iniciando mais uma semana, somos convidados a colocar-nos em movimento, mesmo se já estávamos prontos a largar “as redes”, a abandonar a luta, a voltar pra casa de mãos vazias.
Simão parece aceitar o desafio, mas assim como nós, talvez tivesse pensado: “Só tu, Jesus, pareces não compreender o nosso cansaço. Parece, no mínimo, estranho que Ele, que não lida com pesca, com redes e com peixes, porque entende mais de carpintaria, nos peça para ir para águas mais profundas e lançar as redes...
Se dermos atenção à Sua Palavra, eis o mérito de Pedro, bastará uma palavra, depois Ele fará o resto, isto é, aquilo que não depende de nós! Contudo, o que depende de nós, cabe à nós realizar! O resultado é a quantidade enorme de peixes, as redes quase rompidas, a ajuda dos companheiros! A nossa vida, que experimenta tantas vezes o vazio, estará, então, repleta d’Ele.
No Evangelho de hoje (Lc 5,1-11) Lucas, diferente dos outros sinóticos, coloca a sua atenção na pessoa de Pedro. É ele o protagonista que, diante do milagre, se sente indigno de estar próximo de Jesus. De fato, a presença de Jesus foi como uma luz que permitiu a Pedro confessar, com humildade, a sua condição de criatura humana, pecadora, de pessoa necessitada de salvação, limitada, como o lago.
Como escreve Santa Terezinha: “Talvez, se tivesse apanhado algum peixinho Jesus não tivesse feito o milagre; mas não havia nada, assim, Jesus encheu rapidamente a sua rede, de modo que ela quase rompeu.
Eis, portanto, o estilo de Jesus. É capaz de dar a abundância de Deus, mas espera um coração humilde, disposto a atender e obedecer a Sua Palavra!”Com isso, concluímos que Pedro está na rede de Cristo. Isto é, a verdadeira pesca foi realizada por Jesus.
 A nós resta confiar abandonando tudo para abandonar-nos no Tudo! Neste ponto Jesus dá a promessa: Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens!” Eis aqui uma palavra plena do sentido do que Ele mesmo acabava de realizar!
O sentido mais próximo da frase no texto original grego, quanto à promessa de Jesus a Pedro é: “de hoje em diante irás "pescar" homens para que se mantenham vivos.
Na verdade, a expressão aqui quer ser sinal de uma confiança de Jesus em Pedro, paradoxalmente maior do que a confiança que Pedro havia tido em Jesus, momentos antes.
Simão, e nós juntamente com ele, não está à altura deste chamado, provavelmente nem compreende o que significa, mas confia na Palavra. Sabe obedecer, ainda que entenda mais de pesca do que o Mestre, ainda que tivesse todos os argumentos para não obedecê-Lo e voltar para casa sem ter lançado, mais uma vez, as redes. Com os outros, está pronto a deixar tudo para seguí-Lo.
O “tudo” de Pedro não é nada diante do “Tudo” de Cristo. Pedro, como muitos outros antes dele, até mesmo Maria, acolhe o “não temas” e está pronto para ir, para caminhar, confiante.  Ainda não sabe o que lhe espera! Não sabe que vai haver uma outra noite mal sucedida e infrutuosa onde vai se encontrar de mãos vazias, enquanto Jesus, renovará o Seu amor e o Seu perdão, apenas com um olhar.
Não sabe que essa disponibilidade irá levá-lo a avançar para um caminho até conduzir a barca da Igreja em Roma, dando a vida no martírio.
Um dia, chamado a partilhar o destino de Jesus com o mesmo suplício da cruz, compreenderá completamente que avançar para águas mais profundas significa “mergulhar” no Amor de Cristo. Significa, como Igreja, lançar a rede aos homens à mercê do mundo, entre as ondas desorientadas deste nosso tempo e dar esperança aos caídos, acolhimento ao pecador, resgatando a dignidade de quem é marginalizado e excluído, conduzindo-o de novo à única água capaz de dar a vida.
Quanto a nós, significa compreender e assumir hoje a necessidade de testemunhar Cristo morto e ressuscitado, como os apóstolos, como Paulo na segunda leitura (1Cor 15,3-8.11), como Inácio de Antioquia em nossa vida de cada dia, mesmo em meio a lagos “mesquinhos” dispostos a nada oferecer, em meio às redes vazias. Sempre suplicando, como a Igreja sugere a todos, através de Isaías, na primeira leitura (Is 6,1-8): “Eis-me aqui, Senhor, envia-me”!
(Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA, Missionário Inaciano – www.facebook.com/www.inacianos.org.br)