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Pároco Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA.


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sábado, 7 de maio de 2016

ASCENSÃO DO SENHOR – O CÉU DENTRO DE NÓS



Imaginemos a preparação de uma representação teatral. Na base de tudo, obviamente, está o autor que criou o enredo ou tema, que pode ser um texto do qual vai partir. O texto, na verdade, é a fonte de todo o trabalho a ser realizado.
Imaginemos, então, as demais pessoas envolvidas nessa empreitada. Temos os atores que recebem o referido texto e o lêem, estudam o roteiro, aprendem sobre o personagem e sobre a parte que lhes cabes na arte a ser apresentada.
Outra peça de fundamental importância é o diretor que, tendo em mente o todo da cena, isto é, o conjunto da sua ideia principal expressa no texto que, como disse, deve ser a fonte de toda a ação teatral, guia passo a passo os atores na interpretação.
Um belo dia chega o momento da estréia e, desta vez, temos também o público, que é o destinatário ao qual serão dirigidos todos os esforços.
Na verdade, é chegada a hora em que, depois de ter “mergulhado” profundamente na fonte, memorizado o “script”, ensaiado e re-ensaiado as cenas, depois de ter seguido as orientações do diretor, chegou o momento de agir de acordo com as orientações recebidas.
Desta vez, não haverá mais “scripts” nas mãos, tampouco a voz e a presença física do diretor. Resta apenas a ação teatral. Portanto, tudo compete aos atores, pois agora há apenas eles e o público.
Os personagens ganham vida na história através da representação dos papéis. Cada qual tem o seu papel.
E quanto ao diretor? Está fora de cena, “escondido”, talvez nem esteja presente no local da apresentação fisicamente. Contudo, misteriosamente, está presente e continua a inspirar a cena, a interpretação e a cada um dos atores que convocou.
A história da salvação é uma espécie de representação teatral grandiosa, como um grande drama no qual se entrelaçam os destinos dos homens e onde se prepara um final feliz, também através de derrotas e desastres, por causa da misteriosa presença do mal.
O autor-criador é Deus Pai, o ator principal é Jesus, o diretor é o Espírito Santo.
Jesus esteve na cena por toda a sua vida. De modo especial nos seus últimos três anos de vida na Terra. Ajudou-nos a enxergar e ensinou como é necessário viver e morrer para ser, de fato, homens, porque foi completamente obediente ao “diretor”, isto é, ao Espírito Santo.
Contudo, num certo momento se retira! Trata-se da Sua Ascensão ao Pai. Os apóstolos devem agora fazer o que Ele fez. Afinal, cabe a eles entrar em cena.
Eis aí o sentido da Ascensão de Jesus. Ele “sai” de cena, mas não nos abandona, pois nos deixa o “diretor”, isto é, o Espírito Santo. Agora cabe a nós ser os atores. 
E quanto ao público? Onde está o público? O Evangelho (Lc 24,46-53) deste domingo da Ascensão do Senhor nos indica quem é o “público”: “No Seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações!”
 Isso mesmo! Trata-se de todas as nações! Os “expectadores” de todos os povos são os destinatários da salvação.
Se mergulharmos profundamente no quadro do Evangelho de hoje, perceberemos que há algo que parece uma contradição.
Explico. Jesus vai para o Pai, “separa-Se” dos seus discípulos, os deixa, e os discípulos, os seus amigos, “Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria”.
Mas como? Não ficaram tristes, então?Como é possível alegrarem-se quando acabaram de presenciar a separação de uma pessoa amada? De um grande amigo?
Para tentar entender o que parece estranho e contraditório, é bom esclarecer a diferença que há entre proximidade física e presença. Duas pedras, por exemplo, podem estar uma ao lado da outra, assim como duas árvores podem estar lado a lado. Contudo, apesar de estarem perto umas das outras, não podem e não estão presentes umas para as outras.
Infelizmente, até mesmo um casal pode partilhar a mesma casa, a mesma vida e o mesmo leito e,  contudo, ser “estranhos” e não ser uma presença um para o outro.
O que acontece quando começamos a amar alguém, a ser amigo de alguém? Na verdade o que ocorre é que nos abrimos, deixando o outro entrar e fazer parte do nosso interior. Forma-se, então, uma imagem do outro, não como nos encontros ocasionais, mas uma imagem viva, a ponto de termos a impressão de que o outro vive conosco as mesmas experiências que vivemos.
Talvez já tenhamos ouvido dizer, ou feito a experiência de, depois de um tempo de distanciamento físico da pessoa que amamos, quando a reencontramos, falamos das coisas que aconteceram conosco e, de repente, paramos, porque temos a sensação de que a pessoa viveu aquelas experiências conosco, mesmo estando longe de nós! Isto se chama presença! Esta presença subsiste e sobrevive mesmo a milhares de quilômetros de distância quando o outro passa a fazer parte do meu interior.
Ao compreender essa realidade da Ascensão, constatamos que Jesus se “subtrai” fisicamente para tornar-Se presença interior e real em nossas vidas. Aliás, se não tivesse retornado ao Pai, não poderia começar a viver no interior dos corações dos discípulos.
Então, o que, de fato, é o Céu para onde Jesus ascendeu? Onde e como é esse Céu?
Será que continuamos, talvez, a imaginá-lo como aquele espaço sobre as nossas cabeças entre as nuvens brancas “de algodão”, como geralmente nos é ensinado quando somos crianças?
O Céu para o qual Jesus ascende não está no espaço sideral. Aliás, com a expressão “céus” não se pretende exprimir, de fato, uma distância física que só nos avisa que Jesus não está mais na forma humana, na aparência visível de homem, justamente por não estar mais ligado como cada homem a um espaço e a um tempo.
Tampouco é “lá em cima” ou a direção na qual os apóstolos continuaram a olhar fixamente, pelo que foram repreendidos pelos Anjos, conforme a primeira leitura (At 1, 1-11) Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?
Jesus sobe ao céu e, portanto, de agora em diante está no “Céu”, isto é, está no mais profundo do ser de cada um de nós! Logo, o céu é “dentro” de nós!
A verdade é que se O acolhemos Ele vai, de fato, habitar onde estão os nossos pensamentos, os nossos sentimentos, no mais privado do nosso interior, na parte mais íntima e inacessível de cada ser humano, isto é, nosso coração e a nossa consciência, justamente como prometeu no Evangelho do domingo passado, o sexto domingo do Tempo Pascal: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”(Jo 14,23-24).
Este é o nosso Céu e Jesus, com a Sua Ascensão ao Pai é agora capaz de habitar em cada ser humano, sem mais nenhum tipo de limite de espaço e de tempo. Aqui está a explicação da alegria dos discípulos na ocasião da partida do Mestre. Essa alegria tem a sua razão de ser na presença nova, mais íntima e envolvente do que a primeira, como afirma São Paulo na segunda carta aos Coríntios: “Assim, doravante, não conhecemos ninguém à maneira humana. E se, outrora, conhecemos Cristo à maneira humana, agora já não o conhecemos assim” (2 Cor 5,16).
Na verdade, agora não é tão importante ter conhecido a Cristo como homem nesta terra. O importante mesmo é que Ele viva em nós!
A essência da Ascensão de Jesus e o dom do Espírito consistem em que até o momento em que Deus, através de Jesus era, de alguma forma “externo” a nós, por meio do Espírito, Deus agora habita o nosso interior e começa a exprimir-Se, a falar através de nós: "Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo".
 Portanto, agora cabe a nós, seguindo as indicações do “diretor”, representar o drama da nossa salvação, o amor do Pai que age no Filho através do Espírito.
O público está diante de nós, ao nosso lado, e espera de nós o testemunho de uma interpretação convincente deste amor.
Na verdade, a partir da nossa apresentação o público deve também querer tornar-se ator. Antes, porém, de ser ator, quer ser um tipo de espectador cativado pelas pessoas que tem o céu dentro de si.

Se acolhermos e descobrirmos este Céu dentro de nós, então seremos como Jesus e com Jesus, protagonistas na grande arte da história da salvação. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – www.inacianos.org.br).